Vilmara Fernandesvfernandes@redegazeta.com.br
Sem sair de sua casa, o pescador Gesuel da Rocha poderá realizar o sonho de voltar a morar em terras capixabas. Há 60 anos ele deixou Linhares, no Norte do Estado, para fundar um vilarejo que leva seu nome no litoral baiano. Tudo depende de um acordo que poderá devolver ao Espírito Santo uma faixa de terra equivalente a 98 mil campos de futebol, hoje em poder da Bahia.
A região está localizada entre a atual divisa e o Rio Mucuri. Há duas décadas o Espírito Santo briga pela posse dessa terra. O embate é travado no Supremo Tribunal Federal (STF), que no ano passado decidiu que deve haver um acordo entre os Estados. Nova reunião acontece no dia 12 de agosto.
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Quem visita o local entende o motivo da disputa. São 31 quilômetros de praias de encher os olhos, como a Costa Dourada, as praias Dois e do Gesuel. Todas depois de Itaúnas e Riacho Doce. Sem falar na mansidão do Rio Mucuri.
Para o interior, em direção a Minas Gerais, encontram-se plantações de eucalipto, canaviais, fazendas de gado e o que restou da Mata Atlântica.
Vilarejos
O acesso - com exceção da BR 101 Norte - é feito por estradas de terra que se perdem no horizonte. A área de 98 mil hectares pertence a Mucuri. Por lá vivem cerca de 6 mil pessoas nos distritos de Taquarinha, Itabatã e parte da sede municipal.
Um conjunto de pequenos vilarejos onde a riqueza da região nem sempre chega. O PIB (Produto Interno Bruto) per capta de Mucuri é de R$ 30 mil, o que pressupõe uma renda mensal para cada morador de R$ 2,5 mil. Algo distante da realidade da população que sofre com a falta de emprego, saneamento, transporte, saúde e educação de qualidade.
Há comunidades sem energia elétrica. "Na Praia do Sossego, só chegou no ano passado", relata Célio Roberto, dono de um bar. Como são novidades, os postes de energia viraram até pontos de referência.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), anexado ao processo, sugere como solução para o impasse a partilha da área entre os dois Estados. O divisor seria a BR 101 ou uma estrada que sai de Nova Canaã (na atual divisa) até o Rio Mucuri. A porção oeste ficaria para a Bahia, e a leste para os capixabas.
Rotina
Há 40 anos, o vaqueiro João Antonio Barboza mora às margens da estradinha que pode ser a nova divisa. Adaptado a uma vida que acompanha o ritmo da natureza, diz que a mudança pouco afetará sua rotina. "Não faz diferença. A terra é o que é".
Já seus vizinhos, a quilômetros de distância rumo a Minas Gerais, não têm a mesma opinião. Quem reside na área que pode ficar com a Bahia não gosta de pensar na ideia de ser capixaba. Seu vínculo é maior com os mineiros. Na pequena Taquarinha, até a rua principal leva o nome de Belo Horizonte.
Não é à tôa que o motorista Hélio dos Santos, 34 - mineiro de nascimento, mas que passou a vida em Taquarinha - preferiria que a terra fosse destinada a Minas. "Assim ganharia uma prainha", brinca. Outro que não vê com muito apreço a proposta é Ataíde da Costa Pereira. Nem mesmo sendo avisado que carrega o nome da principal praça da capital capixaba. "Prefiro terminar meus dias na terra dos meus pais", assinala.
O curioso é que, durante muitos anos, o socorro para suas dores veio da vizinha Taquara 2, distrito de Pedro Canário. Lá, há 23 anos, a auxiliar de enfermagem Maria Ivone de Jesus responde pelo posto de saúde. "Até vacina já apliquei nessa gente toda", conta.
Preservação
A situação muda quando se vai para o litoral. Para muitos, só com a partilha as comunidades serão lembradas na hora dos investimentos. "Somos muito mal-atendidos", lamenta o carvoeiro José dos Santos Bernardo, 50, que mora em Belo Cruzeiro.
Outra expectativa é de que, com a mudança, sejam ampliados os cuidados com o meio ambiente. "A fiscalização seria mais presente", acredita Célio Roberto, preocupado com a destruição da orla e do que restou de Mata Atlântica.
O argumento para a posse da terra remonta às capitanias hereditárias. Nos documentos, o marcador da divisa sempre foi o Rio Mucuri, diz Erfen Ribeiro, procurador do Estado que cuida do caso em Brasília.
Não se sabe o motivo, mas em 1926 um acordo transferiu a região para a Bahia. O documento não passou pela aprovação do Congresso Nacional. Após a Constituição de 1988, que estabeleceu que as pendengas entre as divisas deveriam se discutidas no STF, o Espírito Santo decidiu recorrer da decisão.
Expectativa
Para Erfen, o processo está bem consolidado. Relata que o Estado quer o reconhecimento de que a área lhe pertence e conta com provas para isso. "Podemos conseguir pelo menos a metade dessa área."
O procurador da Bahia, Bruno Espineira, discorda. Seu Estado não reconhece a área como sendo capixaba e afirma que não vê possibilidade de um acordo. "Temos documentos que comprovam que o território é baiano", assinala.
Para os dois, mais do que provas jurídicas, será preciso força política para mudar o atual mapa. A região é rica, com grandes empresas e um litoral de destaque. Outra pendenga é que a mudança repercute na demarcação das áreas de petróleo e na distribuição dos royalties.
Polêmica
Pesa contra a decisão o fato de que outros Estados que enfrentam situação semelhante, segundo a direção nacional do IBGE, ainda não terem conseguido uma solução. A própria Bahia questiona sua divisa com Pernambuco.
As polêmicas não terminam nem se a área for conquistada. Não está definido, por exemplo, que município capixaba absorveria a nova área. Hoje, Pedro Canário e Conceição da Barra fazem limite com a Bahia. "Poderia ser divido entre eles", pondera Ribeiro. Outra alternativa seria criar um novo município.
Planos
Alheio a tudo isso, Gesuel decidiu rever seus planos após saber da notícia. O pescador pretendia vender sua terras e voltar ao Espírito Santo "para morrer sem dar trabalho aos filhos". Agora já pensa em ficar. Com um largo sorriso explica o motivo: "Posso ser repatriado sem sair de casa". Só o futuro dirá, pondera Maria José da Rocha, sua esposa.
Mucuri - Ataíde da Costa Pereira, 93 anos e a esposa Amarideusa da Costa Pereira, 61 anos. Um dos moradores mais antigos da região de Taquarinha. Seu boteco foi um dos primeiros construídos no vilarejo
Matéria extraída do jornal A Gazeta, edição de 24 de Julho de 2011.
Minha família em particular, tem uma grande identificação com a beleza da região. O ar de abandono e falta de estrutura, nos dá a sensação de estarmos em um lugar único. O medo da possível mudança seria de surgir um desenvolvimento nada sustentável.
Vamos aguardar.
Minha família em particular, tem uma grande identificação com a beleza da região. O ar de abandono e falta de estrutura, nos dá a sensação de estarmos em um lugar único. O medo da possível mudança seria de surgir um desenvolvimento nada sustentável.
Vamos aguardar.
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