Ticumbi de Conceição da Barra mantém três séculos de tradição
Num ato que une religiosidade e cultura, os devotos de São Benedito fazem a apresentação de Ticumbi no primeiro dia do ano
Magalli Lima
28/12/2014 08:36 - Atualizado em 05/01/2015 15:44
É nas águas do rio Cricaré, região norte do Espírito Santo, que uma das tradições centenárias do município de Conceição da Barra acontece anualmente: a apresentação de Ticumbi dos negros devotos a São Benedito, santo padroeiros dos negros e pobres. A procissão ritualística leva o São Benedito do Córrego das Piabas, do distrito de Meleiras até a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade, para que os 17 membros do Ticumbi se apresentem e iniciem o primeiro mês do ano – que ainda será composto pelo Baile de São Benedito e São Sebastião na segunda semana de janeiro.
Em um festejo de devoção e alegria, a apresentação no dia primeiro de janeiro é realizada com seis pandeiristas, dois reis (Rei Congo e Rei Bamba) dois secretários de reis e um estandarte. Os 17 integrantes encenam uma disputa entre os dois reis que, segundo conta a tradição do povoado, cada um quer realizar a festa de São Benedito de sua forma. Sendo assim, de frente para a Igreja Matriz, o auto inicia-se com a primeira guerra do Rei Congo, uma guerra sem travar, seguida da guerra travada com o Rei Bamba. Em meio às batidas de espada, a roda prossegue em animação até que o Rei Congo vença a batalha.
A apresentação dura cerca de duas horas e os integrantes finalizam o auto com a celebração ao Rei Congo, ao som do Ticumbi, a dança que dá nome à representação e é uma manifestação cultural folclórica de origem africana. Composto por negros oriundos de famílias quilombolas, a dança é uma das expressões culturais mais antigas do local e que revelam a luta e orgulho negro, por isso mesmo a manifestação é tão exclusiva para seu povoado, pois faz uma verdadeira ponte cultural entre o passado e o presente exclusivo dos negros de Conceição da Barra.
Com pandeiros, viola e batas brancas, os integrantes do Ticumbi exibem-se como uma elite negra que tem nas mãos uma tradição a prezar. Por isso mesmo, o Ticumbi é passado de geração para geração, com a finalidade de a tradição nunca ser perdida. Quem participa há anos da dança é visto como figura caricata do Ticumbi, inclusive conhecido pelo Brasil a fora – como é o caso de Tertolino Balbino, também chamado carinhosamente de Terto, mestre da dança e guardião da tradição que rege o ticumbi desde 1950.
São Benedito do Córrego das Piabas – O milagreiro
São Benedito, o santo negro, possui diversas vertentes com histórias e contos únicos que o representa. Especificamente no dia de primeiro de janeiro, o São Benedito que os negros do Ticumbi levam consigo pelas águas do rio Cricaré é o São Benedito do Córrego das piabas. Seu nome carrega uma história bem conhecida por seus devotos: o santo, esculpido em madeira, pertencia a Benedito Meia Légua, negro quilombola conhecido por lutar pela região do Sapê do Norte contra a Coroa Portuguesa. Certa vez, Benedito foi traído e recebeu punição dos portugueses, sendo queimado dentro de um tronco de árvore.
O que restou de Benedito Meia Légua, em meio às cinzas, foi a imagem de São Benedito que, às pressas, foi jogada no Córrego das Piabas por medo de maldição. Logo, o povo devoto ao santo recuperou a imagem e, desde então, ao passar de cerca de 300 anos, este São Benedito de madeira é chamado de São Benedito do Córrego das Piabas, o São Bino mais milagreiro da região.
Serviço
A apresentação de Ticumbi em Conceição da Barra será realizada no dia 1° de janeiro de 2015, a partir das 9h30 em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade.
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